O arquiteto egípcio que derrubou a torre Norte do World Trade Center
Flavius Josephus Patrocinius

17.7.04

I - Bolbol

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Mohammed Mohammed al-Amir Awad al-Sajjid Atta nasceu no primeiro dia de setembro de 1968, em Kafr El Sheikh, Egito, no delta do Rio Nilo. Foi criado em Giza, um subúrbio de Cairo, a capital. Era baixo, magro e tinha o apelido de Bolbol, uma gíria árabe para um passarinho pequeno e bom cantor.
 
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Filho de um chefe de família classe média, um advogado que se dedicava à construção de casas, Atta quando criança era bom aluno, passava as férias lendo romances ou publicações científicas. Não gostava dos tradicionais jogos, como as lutas violentas ou brincadeiras com armas. O seu passatempo preferido era jogar xadrez com o pai. Era discreto e, até então, não manifestava qualquer opinião radical. Na escola, evitava companhias, jamais exerceu liderança e nunca ofendeu ou incomodou quem quer que fosse. Nas conversas que mantinha, um tema recorrente eram as "injustiças", o que fazia com que alguns colegas o considerassem ingênuo. E era franco e direto: se achava que alguém estava errado, dizia a ele sem se importar com quem estivesse por perto. Suas palavras a respeito dos terroristas islâmicos ainda são lembradas: "São pessoas irresponsáveis que não têm cérebro". Mohammed Atta era proveniente de um dos setores mais tradicionais e preconceituosos da inteligência egípcia, aquele que se sentiu mais ultrajado com a abertura para o Ocidente iniciada pelo presidente Anwar Sadat antes de seu assassinato, em 1981. Atta costumava dizer que se sentia ofendido pela direção errada em que o mundo estava indo. Tinha duas irmãs. Uma médica e a outra professora de zoologia na Universidade do Cairo, mulheres com carreira própria, o que é absolutamente inaceitável pelas regras islâmicas defendidas pelos mais radicais. Sua família é muçulmana, como a maioria dos egípcios, mas não devota. 
 
3.
O jovem Mohammed Atta levava uma vida regrada e jamais teve um romance, nenhuma namorada ou contato físico com alguma mulher em toda sua vida. Quando bebê, fora castrado, conforme declarações de seu pai à rede de televisão CNN.
 
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Atta começou os estudos de arquitetura na Universidade do Cairo, ao mesmo tempo em que aprendia inglês na universidade americana da capital egípcia e alemão no Instituto Goethe. Já como universitário, não fazia segredo do que pensava, manifestava abertamente suas posições e simpatias. A Universidade do Cairo era um foco do ideal fundamentalista e seus alunos eram ardorosos em suas convicções. Atta resolveu, então, filiar-se ao Sindicato dos Engenheiros, um braço da Fraternidade Muçulmana. Nessa ocasião não poupava críticas ácidas à chamada nova classe egípcia, conceituada por todos por "gatos gordos". Na opinião de Atta e dos demais, era gritante o contraste entre alguns poucos ricos e a imensa multidão que vivia quase na miséria. Principalmente para estudantes como ele, do curso de arquitetura, o capitalismo, ao construir grandes hotéis e imensos edifícios comerciais, afrontava seu julgamento estético. O pai incentivou-o a contatar universidades na Alemanha e Suíça. Para o rapaz não seria fácil partir. Tinha laços muito fortes com a família, especialmente com a mãe. Mas no início dos anos 90, frustrado pelo que chamava de "favoritismo político" nas universidades egípcias, Atta abandonou o curso em seu país.
 
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No outono de 1992 mudou-se para a Alemanha, matriculando-se na Universidade Técnica de Hamburgo, ingressando no terceiro ano de Urbanismo, com a pretensão de fazer graduação em planejamento urbano e então voltar para o Egito. Partiu em uma época em que a cidade do Cairo estava agitada por uma conturbada campanha. Os fundamentalistas islâmicos pretendiam derrubar o governo. Em outubro, quando ele viajou, muitos foram levados a júri perante tribunais militares. O que provocou um confronto brutal marcado por ataques violentíssimos, difundindo a tortura e a prisão de milhares de pessoas sem acusação ou julgamento. Falava muito bem o alemão. Na universidade alemã Atta, que era considerado por seus professores muito inteligente e aplicado, escolheu uma especialidade acadêmica que se ocupa da preservação dos quarteirões islâmicos de cidades antigas, particularmente Aleppo, na Síria, que acabou se tornando objeto de sua tese. Dois meses depois da chegada a Hamburgo, Atta conseguiu emprego de meio-expediente, como desenhista, na Plankontor, uma empresa de planejamento urbano no distrito de Ottensen. Recebia cerca de US$ 850 mensais por uma jornada de 19 horas por semana. Seus desenhos eram muito precisos e muito peculiares.
 
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Para seus colegas de trabalho na Plankontor, ele era tímido, introvertido, mas também sociável e reservado, ainda que manifestasse abertamente a sua religiosidade, se tornando cada vez mais intenso em suas orações. Naquele escritório ninguém havia visto algo parecido. Diariamente, exatamente ao meio-dia, ele deixava de lado qualquer tarefa que estivesse executando, ajoelhava-se e iniciava suas orações, ao lado da prancheta de desenho. Dizia sempre a seus novos companheiros do Ocidente que as diversas religiões poderiam perfeitamente conviver em paz. Outra característica sua que chamava a atenção de todos: não comia nada que lhe fosse oferecido sem antes ler atentamente o rótulo do produto, para verificar se não continha algum componente extraído da carne de porco, o que violaria as leis islâmicas.
 
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Três anos depois de ter se mudado para Hamburgo, em 1995 Atta deixou a barba crescer, revelando-se um fundamentalista ortodoxo. Comunicou seu afastamento da Plankontor, argumentando que faria uma peregrinação a Meca.
- Em seguida vou passar uns tempos na casa de meus pais, no Egito, anunciou.

Questionado por ter deixado a barba crescer, afirmou:
- Quero demonstrar minhas convicções religiosas.
Essas “convicções”, na verdade, expressavam a fúria e revolta que Atta continha em si por conta das tensas relações do governo do Cairo, pró-Ocidente, com os fundamentalistas islâmicos. Na capital egípcia, seu pai também não escondia a indignação:
- O Egito é hipócrita e os Estados Unidos são hipócritas. Nós não temos hipocrisia. As companhias de petróleo detêm o poder nos Estados Unidos e estão matando povos.
 
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Não se sabe, ao certo, se esta viagem de Mohammed Atta foi realmente de peregrinação a Meca. Mas foi seu primeiro período de demorada ausência de Hamburgo. Sob patrocínio do Ministério do Desenvolvimento e Cooperação Econômica da Alemanha, durante três meses participou de um seminário no Cairo, demonstrando preocupação com a relação desumana que os países do Primeiro Mundo impunham aos do Terceiro. Ele ansiava por justiça, por um relacionamento igualitário. Se até então não tinham vindo à tona, intensificavam-se nele, com nitidez e de forma convicta, seus ideais políticos e religiosos.
 
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De volta à Alemanha, foi readmitido na Plankontor. Mas, para substituir a prancheta, em junho de 1997 a empresa adquiriu um novo sistema de computação. Atta foi dispensado. A título de indenização trabalhista, recebeu uma alta quantia, com a qual não concordou, recusando-a, com o pretexto de que não merecia aquele valor tão alto. A partir de então fez inúmeras outras viagens, sempre alegando, principalmente para seu orientador de tese na universidade, motivos de ordem familiar. Nessa época ficou fora um ano e três meses. A alguns amigos do Cairo mostrava-se deprimido e queixoso:
- Na verdade, ainda não tenho uma carreira em Hamburgo. Estudo apenas, e fiz pouquíssimas amizades com os alemães, para não dizer nenhuma.
Quando voltou ao ocidente, sua barba chamava a atenção, pois estava mais crescida e avantajada. Alguns meses depois, em janeiro de 1999, ainda no período em que era universitário, participava de encontros de estudantes de países muçulmanos, estruturando uma espécie de um centro islâmico, no campus da universidade. Os jovens oravam, promoviam alguns debates, estudavam, difundiam e professavam sua fé e se conectavam à internet nos computadores da escola.
 
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Dessa viagem, o jovem Atta voltou mais fechado em si, arredio e sério. A mudança foi notada por todos que o conheciam. Por diversas vezes foi visto transitando pelas ruas de Hamburgo com outros dois árabes, Marwan Al-Shehhi e Ziad Samir Jarrah – com os quais dividia moradia - trajando as vestes típicas dos muçulmanos. Ali, naquela cidade, ele nunca havia usado estas roupas.
 
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Para assistir Atta na redação de sua tese, em idioma alemão, sobre preservação dos quarteirões islâmicos da antiga cidade síria de Aleppo, foi designada a professora-assistente Chrylla Wendt. Nos contatos pessoais que com ele manteve, pelo menos uma vez por semana, ela jamais o viu sorrir. Eles se encontravam na pequena sala da mestra, utilizando uma escrivaninha para o trabalho. Aqueles contatos muito próximos incomodavam visivelmente Mohammed Atta, que se sentia desconfortável, um quase asco. Tanto que, por ocasião de revisão do último capítulo, ele não quis mais a presença dela. Finalizada sua tese, já encadernada, a seguinte citação do Corão foi escrita por ele na folha de rosto: “Minha oração e meu sacrifício e minha vida e minha morte pertencem a Alá, o Senhor dos mundos”. Em outubro de 1999 a tese foi apresentada a uma banca examinadora, composta por um professor e por uma assessora independente. Após uma rígida argüição oral, Atta recebeu a nota de grau máximo. Depois de aprovado, o casal foi parabenizá-lo. Do professor ele aceitou o cumprimento. Da assistente, não, deixando-a com a mão estendida... Ao recusar o cumprimento ele explica a ela que, por seus princípios, era impedido de tocar numa mulher. 
  
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No final de 1999 Mohamed Atta e seus companheiros de moradia foram à polícia alemã para registrar em um boletim de ocorrência a perda de seus passaportes. No ano seguinte, em maio, os três árabes solicitaram – e conseguiram – junto aos Emirados Árabes Unidos vistos para os Estados Unidos da América. Em preparação para a viagem, a primeira iniciativa de Atta foi raspar a longa barba, até então mantida por questões religiosas. Logo no início de junho, no dia 2, rumou para a Checoslováquia. Em Praga permaneceu por apenas 24 horas depois. No dia seguinte voou para New Jersey, nos EUA, ali apresentando visto de turista, com validade para seis meses. Em julho de 2000 ele e Al-Shehhi (que havia chegado aos EUA no dia 29 de maio) foram para Venice, na Flórida, e lá se matricularam em um curso de quatro meses de treinamento em pilotagem de avião, pelo qual pagaram, parceladamente, cerca de 40 mil dólares, em um grupo composto por, se tanto, uns 15 membros, com os quais ambos fizeram questão de não manter nenhum tipo de contato. Um detalhe: desde que pôs os olhos sobre Atta, o proprietário da escola de aviação não foi com a cara dele. Uma antipatia gratuita. Imediatamente comunicou à polícia de Venice sobre algo que achou estranhíssimo: todos os pagamentos efetuados por Atta, em altas somas, eram em cash. As autoridades americanas não deram a mínima importância para o fato.
 
13 .
Pelo serviço de Imigração americana passou despercebido o fato de que, em 3 de dezembro do mesmo ano de 2000 expirou o visto turístico de Atta e Al-Shehhi, que viviam nos Estados Unidos como se fossem primos (ou, o segundo, sobrinho do primeiro). Ainda assim foram licenciados como pilotos. Uma tarde, em Fort Lauderdale, Flórida, Atta adquiriu um simulador de vôo pela bagatela de 475 dólares. O vendedor, sorridente, ainda brincou:
- Com este simulador, pilotar um 767, se ele já estiver no ar, é brincadeira...
 
14 .
Em janeiro de 2001, já sem direito de permanecer em solo americano, Atta ousou uma viagem internacional: partiu de Miami com destino a Madri, Espanha, lá ficando poucos dias. Os porquês desta viagem são até hoje ignorados. Já com novo visto, voltou aos EUA, não encontrando nenhuma dificuldade para retornar ao país. Em abril, no dia 26, quando estava em Broward, na Flórida, foi abordado pelo xerife do condado, porque estava dirigindo sem a licença de motorista. Foi autuado e intimado a comparecer em audiência com um juiz, marcada para 4 de junho. Não compareceu. Sua prisão foi determinada por um mandado que não foi cumprido. Neste ano, Atta e os demais de seu grupo não tinham paradeiro certo, mudando-se de endereço constante e desavisadamente. Nem às mesquitas iam mais. Precisavam se tornar invisíveis. A partir daí Mohammed Atta viajou muito, sempre para se ocultar, não ser encontrado. Para Las Vegas, em 29 de junho, hospedando-se em um hotel de categoria inferior, com o aviso de “Não perturbe” na porta, do momento que entrou ao que saiu. Em julho, voltou à Madri, no dia 10. Alugou um carro e rodou quase dois mil quilômetros em território espanhol. Com um visto de negócio, logo retornou aos Estados Unidos. Foi apurado que nos dez primeiros dias de setembro Atta recebeu duas remessas de dinheiro de um desconhecido. Por três horas e meia, em 7 de setembro, Atta, Al-Sehhi e um sujeito que lhes parecia íntimo estiveram em Hollywood, no Shuckum's Bar de Ostras e Churrascaria. Enquanto jogava pinball, Mohammed tomou sucos, enquanto os outros dois optaram por bebida alcoólica. Na manhã seguinte, alugou um carro e visitou a praia de Pompano, na Flórida. Desde 28 de agosto ele já estava de posse de uma passagem (comprada pela Internet) da American Airlines para o vôo 11, que decolaria de Portland, Maine, com destino a Boston. Na manhãzinha de 11 de setembro de 2001 sua imagem foi registrada pelas câmeras de vigilância do aeroporto, quando passou tranquilamente pelo aparato de segurança, antes do embarque.
 
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Para a polícia americana, Atta já havia planejado sua morte há uns 5 anos, com base em um testamento datado de 1996, que foi encontrado que ele deixou no estacionamento do aeroporto de Boston. Neste testamento estava escrito: “Aqueles que se sentarem ao lado do meu corpo (em um provável funeral) devem lembrar-se de Alá, Deus, e rezar para que eu esteja com os anjos. Não quero mulheres grávidas ou pessoas que não sejam puras dizendo adeus, porque não aprovo isso. Não quero mulheres no meu funeral, ou mais tarde em meu túmulo. Quero ser enterrado perto de bons muçulmanos, meu rosto voltado para Meca. Um terço de meu dinheiro deve ser doado para os pobres e necessitados. Meus livros eu deixo para uma das mesquitas”.
 
16 .
Precisamente às 8 horas e 45 minutos do dia 11 de setembro de 2001, Mohammed Mohammed al-Amir Awad al-Sajjid Atta jogou o Boeing 767 do Vôo 11 da American Airlines, que partiu de Boston com destino a Los Angeles, contra a torre Norte do World Trade Center, em Nova York. No avião estavam 81 passageiros, nove comissários de bordo e dois pilotos.

 

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